7 - Falta de respeito pelos profissionais de saúde e falsa segurança e custos acrescidos para os cidadãos



Nota de Imprensa 04/02/2015

Despacho n.º 1057/2015
Falta de respeito pelos profissionais de saúde e falsa segurança e custos acrescidos para os cidadãos


O Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos (CRNOM) foi mais uma vez surpreendido com a publicação em Diário da República de uma nova legislação (Despacho n.º 1057/2015) que estabelece disposições no âmbito do Sistema de Triagem de Manchester (MTS).

Apesar de tudo ser esperado de um Ministério da Saúde que apenas se preocupa com números e não com os doentes, não deixamos de ficar surpreendidos com a publicação deste despacho. Sobretudo quando o mesmo mereceu um parecer negativo e devidamente fundamentado da Ordem dos Médicos (http://goo.gl/CRPZXY), em devido tempo comunicado ao secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.

Este despacho estabelece que "na sequência da aplicação dos fluxogramas previstos no sistema de triagem, pode ser considerada a solicitação, pelo enfermeiro da triagem, de meios complementares de diagnóstico, mediante algoritmo autorizado pela direção clínica da unidade de saúde e sustentado em Norma de Orientação Clínica (NOC) elaborada pela Direcção Geral de Saúde, a exemplo do que acontece nas vias verdes já existentes".

O MST utilizado nos serviços de urgência (SU) não é mais do que o cumprimento de um protocolo de prioridades, com base num protocolo pré-definido, em que um enfermeiro, e não um médico, afere quais são os doentes que devem ter maior prioridade no atendimento no serviço de urgência. Toda esta definição de prioridades é feita sem avaliação do estado clínico do doente através de história clínica e exame físico, mas apenas em função das respostas a um guião de questões pré-definidas.

A implementação das novas medidas no Sistema de Triagem de Manchester (MST) constitui um disparate, uma anormalidade e uma violação clara dos direitos dos doentes. Senão vejamos:

1. Todos os doentes que recorrem ao SU de um hospital têm direito a ser observados por um médico e o mais rapidamente possível de acordo com o grau de prioridade determinado;
2. Perante os caso conhecidos de doentes que infelizmente faleceram enquanto esperavam a sua vez para serem observados, a sociedade civil, como um todo, esperava que rapidamente o Ministro da Saúde determinasse de imediato uma auditoria externa ao MST para avaliar a necessidade urgente de o alterar (o que até ao momento ainda não aconteceu);
3. Introduzir uma complexidade adicional no MST através de normas de orientação clínica adoptadas por enfermeiros, não só atrasa todo o processo de triagem dos doentes como contraria a essência da medicina baseada nas boas práticas, normalizando aquilo que não deve ser normalizado;
4. A competência da decisão de prescrever meios complementares de diagnóstico insere-se no conceito de acto médico que implica responsabilidade disciplinar, civil e penal;
5. Obrigar os enfermeiros a assumir uma responsabilidade acrescida não remunerada, ainda que baseada em protocolos, é explorar o seu valioso e importante trabalho e violar as suas competências próprias;
6. Obrigar os doentes a aceitar uma “medicina normalizada” em que protocolos, sem nome e sem cédula profissional, decidem que meios complementares de diagnóstico irão ter que realizar é um atentado aos seus direitos e à sua própria dignidade Constitucionalmente consagrada;
7. Obrigar os médicos a aceitar uma “medicina normalizada”, desumanizada e “industrial” é ferir a sua dignidade enquanto seres humanos que desenvolveram conhecimentos e competências próprias que lhes permitem tomar decisões clínicas e assumir as respectivas responsabilidades;
8. A ausência de legislação específica sobre o Acto Médico é uma inconstitucionalidade que o poder político persiste em manter, colocando seriamente em risco a saúde dos doentes;
9. A norma que o Ministério da Saúde agora introduz, mesmo que a título de participação voluntária das unidades de Saúde, contribui para criar a ilusão de um mais rápido atendimento e uma falsa sensação de segurança, que em nada vai acelerar a observação por um médico. No limite, esta medida irá contribuir para um desnecessário aumento da despesa do Serviço Nacional de Saúde, com a realização de exames de diagnóstico desnecessários.
10. O Sistema de Triagem de Manchester (MTS) não é um sistema similar às "vias verdes", como a Via Verde do Acidente Vascular Cerebral. MTS e “vias verdes” são protocolos completamente distintos, quer na sua essência quer na sua aplicação prática. Nas “vias verdes” a prioridade já está definida à partida e os doentes são rapidamente observados e tratados por médicos. O MTS é apenas uma triagem de prioridades. Não está preparado nem validado para mais nada!
11. Como sistema geral de atribuição de prioridades no atendimento de doentes, o MTS revelou já as suas insuficiências, quer no que toca à deficiência do sistema em resolver o verdadeiro problema das urgências, o da insuficiência de meios e em especial de profissionais de saúde, quer no que respeita à classificação errada de alguns doentes, com sérios prejuízos para os mesmos.
12. O Ministério da Saúde, em vez de procurar soluções eficazes para os problemas das urgências hospitalares, prefere entreter os portugueses com soluções artificiais e aparentemente sem custos adicionais, como de resto tem sido seu apanágio;

Aquilo que a tutela, e os doentes do SNS, devem ter em conta é que a única forma de acelerar a observação dos doentes num serviço de urgência é dotando-o dos recursos técnicos e humanos que necessitam, nomeadamente médicos, e simultaneamente disponibilizar no âmbito dos Cuidados de Saúde Primários atendimento a doentes com situações clínicas agudas não urgentes .

Um doente urgente precisa de ser rapidamente observado por um médico, o acto médico por excelência que vai efectivamente ditar a rapidez com que o doente é diagnosticado e devidamente tratado, e não de realizar meia dúzia de exames complementares ditados por um protocolo.

O CRNOM invoca publicamente a revogação imediata do despacho nº 1057/2015.

A sua não revogação poderá ter consequências gravosas para os doentes e os profissionais de saúde, pelo que, desde já, responsabilizamos os directores clínicos das Unidades de Saúde onde tais alterações se venham a aplicar sem o consentimento informado dos doentes.

A responsabilidade moral e política será sempre do Ministro da Saúde.


O Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos

Porto, 04 de Fevereiro de 2015