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Nota de Imprensa 19/05/2015
Dia Mundial do Médico de Família
Cada português pode ter um médico de família
Hoje celebra-se a Medicina Familiar à escala global. Promovido pelo Wonca - World Organization of Family Doctors, o Dia Mundial do Médico de Família é uma efeméride que procura sensibilizar as comunidades para a importância destes profissionais no acesso integrado aos cuidados de saúde.
Um dia que se assinala num momento em que milhares de portugueses continuam sem médico de família apesar dos sucessivos anúncios do Governo para a contratação de novos especialistas. Isto depois de, no norte do país, cerca de 400 especialistas se terem aposentado nos últimos anos, a maioria antecipadamente, e de duas dezenas terem emigrado.
O médico de família presta um contributo essencial à população, assumindo-se como um verdadeiro gestor do doente, que define e acompanha o respectivo trajecto no sistema de Saúde. Por outro lado, é um profissional altamente qualificado, capaz de responder a um conjunto alargado de exigências que hoje se colocam em matérias como a promoção da saúde, a prevenção da doença, o diagnóstico precoce, as doenças crónicas e o envelhecimento.
Resultado de uma aposta consistente na formação, a Medicina Geral e Familiar (MGF) assumiu-se no nosso país como uma especialidade de pleno direito, nuclear para o desenvolvimento e organização do SNS, valorizada pela sociedade civil e definitivamente afastada dos estigmas que a condicionaram durante largos anos. Fruto também de uma visão reformista aplicada aos Cuidados de Saúde Primários, foi possível traduzir esta valorização funcional em melhores condições de trabalho, tornando a MGF numa carreira profissional apelativa para os jovens médicos.
No entanto, a competência, qualidade e diferenciação dos nossos médicos de família nem sempre tem merecido o justo reconhecimento por parte das estruturas administrativas do Ministério da Saúde.
A política errada do ministro Paulo Macedo, mais preocupado com os indicadores financeiros e a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde, persiste em desvalorizar as pessoas e os profissionais de saúde e impedir a política de reforma dos cuidados de saúde primários iniciada há alguns anos, diminuindo o papel fulcral que os especialistas em MGF exercem e contribuindo de forma decisiva para a aposentação antecipada que, na região norte, envolveu cerca de quatro centenas de médicos desde Janeiro de 2011.
De acordo com os dados oficiais publicados, disponibilizados pelo Dr. Arnaldo Araújo, e recentemente trabalhados pela Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, dos 401 médicos que se aposentaram na região Norte entre Janeiro de 2011 e Maio de 2015, 370 (92,27%) fizeram-no de forma antecipada, isto é, antes de atingirem os 66 anos de idade.
A grande maioria destes médicos tinha, no momento da aposentação, entre 55 e 60 anos (54,61%) ou entre 61 e 65 anos (41,15%).
Numa análise mais pormenorizada dos dados, verificamos que em 2011 se reformaram 75 especialistas de MGF, dos quais apenas um não o fez em antecipação da idade legal da reforma. Isto quando Portugal vivia no rescaldo da aprovação de três programas de Estabilidade e Crescimento (PEC) que implicaram inúmeras medidas de controlo da despesa pública, cortes salariais e aumento do IVA.
No ano seguinte, e já sob intervenção do memorando de entendimento que Portugal assinou com a troika - com cortes salariais e agravamento das condições de trabalho em que os médicos foram das classes profissionais mais afectadas, como de resto já foi publicamente divulgado -, registaram-se 62 aposentações, com especial incidência no mês de Outubro, onde se contabilizaram 36 pedidos de reforma. Em 2013 assiste-se a um ligeiro crescimento, com um total de 68 médicos a deixarem a função pública ao longo dos doze meses.
O ano "negro" neste período de análise reporta a 2014, com um crescimento do número de aposentações superior a 100% face ao número de pedidos do ano anterior. Em apenas 12 meses pediram a reforma 146 especialistas de Medicina Geral e Familiar, 130 dos quais de forma antecipada. Ou seja, mais de dez por mês.
O cenário para o ano corrente não se apresenta melhor. Só nos primeiros cinco meses deste ano aposentaram-se já 50 médicos de família, o que faz temer que os valores registados o ano passado se voltem a repetir já em 2015.
Paralelamente, entre 2012 e 2014, na área geográfica da SRNOM, registou-se um total de 19 médicos de família que optaram por emigrar. De salientar que a grande maioria dos especialistas (12) justificou esta decisão com a oferta de melhores condições de trabalho no estrangeiro.
Médicos de família: em falta ou em excesso?
Analisando os dados reais publicados e confirmados há uma evidência clara: bastava que o número de especialistas de MGF que se reformou antecipadamente na região Norte nos últimos 15 meses continuasse a trabalhar para que todos os utentes na área de influência da ARS Norte tivessem um médico de família atribuído.
De acordo com a Proposta de Alocação de vagas de recém-especialistas para a 2.ª época 2014 da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), de Dezembro de 2014, as necessidades de médicos de família eram de 145 especialistas na região Norte.
O que levou então muitos destes médicos a aposentarem-se antecipadamente, com grandes penalizações ao nível dos valores das remunerações?
A desqualificação e a forma indecorosa como muitos médicos têm sido tratados pelo Ministério da Saúde, o degradar das condições de trabalho, o aumento da pressão na relação médico-doente traduzido na multiplicação e sobreposição de tarefas associado à exigência de tempos de consulta cada vez mais reduzidos, os sucessivos cortes salariais, o aumento dos casos de violência contra profissionais de saúde, ajudam a explicar muitas destas decisões.
No entanto, é pública a pressão que o Governo fez para promover as reformas antecipadas de funcionários públicos e indicar a emigração como um caminho a seguir para os jovens portugueses. Entre 2011 e 2013, de acordo com os dados publicados pela PORDATA, já saíram da função pública cerca de 250.000 pessoas e já emigraram cerca de 350.000. Quem não se lembra das palavras do Primeiro-Ministro? Serão precisas mais explicações para entender porque é que cada português não tem ainda um médico de família?
Neste Dia Mundial do Médico de Família, entende o CRNOM que é urgente a promoção de medidas que dignifiquem as condições de trabalho dos especialistas de MGF, para tornar o sonho em realidade e cada português possa ter um médico de família. Desde logo:
Promover condições de trabalho que contribuam activamente para a fixação de médicos de família recém-licenciados no nosso país, em detrimento da opção pela emigração;
Promover em tempo útil concursos públicos abertos e institucionais em condições que permitam eliminar potenciais conflitos de interesses e factores agravantes;
Estabelecer verdadeiros incentivos que contribuam para o regresso ao activo de especialistas de MGF já aposentados, de modo a suprimir a falta de médicos de família, enquanto os 812 médicos internos de MGF em formação na região norte não terminam o seu período de especialização;
Reforçar o investimento na modernização de muitos Centros e Unidades de Saúde Familiares que actualmente se encontram degradadas ou desajustadas das reais necessidades dos utentes e dos médicos de família;
Implementar serviços de atendimento alargados que permitam o acesso fácil dos utentes aos cuidados de saúde primários em situações agudas não urgentes;
Prosseguir a política de reforma positiva dos cuidados de saúde primários apostando na criação de mais USF;/li>
Desenvolver e implementar uma política de incentivos adequada que permita a fixação de especialistas de MGF em áreas carenciadas do país.
Só assim, acreditamos, será possível superar a falta de médicos de família e minorar a dificuldade que muitos utentes sentem em conseguir uma consulta com o seu médico.
Dentro das limitações inerentes às suas competências, o CRNOM não deixará de lutar pela dignificação da carreira de especialista em MGF bem como pela melhoria da qualidade dos cuidados de saúde e do acesso dos utentes a um médico de família.
O Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos
Miguel Guimarães
Porto, 19 de Maio de 2015