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Nota de Imprensa 02/02/2015
Visita ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia / Espinho
O Centro Hospitalar de Gaia / Espinho: Indignidade e Desinvestimento na Saúde
O Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos (CRN), o Sindicato Independente dos Médicos (SIM Norte) e o Sindicato dos Médicos do Norte (SMN/FNAM), em face da situação clínica de caos vivida nas urgências hospitalares, amplamente divulgada pela comunicação social, decidiram levar a cabo em 2015 uma avaliação sistemática do funcionamento dos serviços de urgência hospitalares do Norte do País.
A urgência do hospital de Gaia (CHVNG/E) foi a segunda a ser visitada na manhã de 30 de Janeiro de 2015.
A urgência do hospital de Gaia está classificada como urgência polivalente e serve uma população directa de cerca de 340.000 habitantes e uma população indirecta de cerca de 700.000 habitantes. Tem tido um afluxo médio diário de 400 a 450 doentes.
O hospital tem 550 camas de internamento, o que significa, para a área de referência directa, 1,6 camas/1000 habitantes, número escandalosamente inferior à média dos 28 países europeus da OCDE (5,2 camas/1000 habitantes).
A visita ao Serviço de Urgência (SU) confirmou muitas das informações e denúncias que são do conhecimento público e que já tinham motivado alertas sucessivos da sociedade civil.
Objectivamente foi possível verificar que a urgência do hospital de Gaia não cumpre minimamente os critérios exigíveis a uma urgência polivalente:
1. A estrutura da urgência é inadequada ao correcto exercício da actividade profissional. Na verdade nem os profissionais de saúde nem os doentes são tratados com o mínimo de dignidade. Os espaços físicos são reduzidos para o elevado número de pessoas que os utilizam e a ausência de privacidade é assustadora.
A sala de observações tem um número de camas muito limitado e não existe uma unidade de cuidados intermédios polivalente no SU (a unidade de cuidados intermédios existente no hospital fica localizada noutro edifício).
As dificuldades organizativas e funcionais são evidentes e preocupantes.
No SU, dezenas de doentes (em média cerca de 40-50) estão internados em macas a aguardar (por vezes vários dias) transferência para as camas dos serviços de internamento do hospital. As condições são deploráveis. Não existe qualquer separação entre doentes do sexo feminino e masculino. As dificuldades de limpeza das instalações são manifestas. As condições para o asseio dos doentes são chocantes e intoleráveis. Os profissionais de saúde exercem a sua actividade sem o mínimo de segurança e qualidade. Nos períodos de maior afluência o caos é total.
Adicionalmente a existência de diferentes unidades físicas (diferentes edifícios) dedicadas ao SU e aos internamentos obriga ao transporte frequente de ambulância dentro da extensa área externa do hospital.
O bloco operatório no Serviço de Urgência é insuficiente (uma sala de bloco com equipa de enfermagem) que obriga a que muitas vezes seja interrompido o movimento do bloco operatório central (programado) com cancelamento de cirurgias de rotina e/ou abertura de salas de bloco extra mas sem equipas de enfermagem disponíveis. Manifestamente insuficiente para uma urgência polivalente.
2. O número de médicos é insuficiente em várias especialidades e na urgência geral, no contexto de um SU polivalente agravado pelos internamentos em macas referidos anteriormente.
A política errada de abertura de vagas, os concursos fechados e prolongados por tempo inaceitável (superior a um ano) constituem um factor importante de agravamento da situação.
O número exíguo de enfermeiros, assistentes administrativos e assistentes operacionais compromete praticamente todo o sistema (devido a necessidades constantes de admitir doentes, de administrar terapêuticas, de vigilância e de transportes de doentes, exames, unidades de sangue, medicamentos, materiais, ... entre diferentes edifícios).
Algumas especialidades próprias de uma urgência polivalente só existem até às 20 horas (nuns casos devido à existência das chamadas urgências metropolitanas ou regionais) e apenas durante a semana.
A ausência de especialistas de Radiologia entre as 00:00 e as 08:00 (o apoio de imagem é realizado através de tele-radiologia - TAC, e não existe ecografia), constitui uma desumanidade na relação médico-doente e uma violação das boas práticas médicas.
3. Apesar do desempenho excepcional dos médicos e de todos os outros profissionais de saúde, os tempos de espera, determinados pela triagem de Manchester, e em especial no que diz respeito aos doentes identificados com pulseiras laranjas e amarelas, muitas vezes não são possíveis de cumprir. Adicionalmente, as miseráveis condições de trabalho, com deficiência de materiais e equipamentos, contribuem para agravar a situação.
4. A política de encerramento de camas de internamento associada à constituição dos Centros Hospitalares não foi acompanhada, como prometido pelo Ministro da Saúde e pelo poder político, pela abertura de unidades de cuidados continuados com o número suficiente de camas e respectivo apoio clínico, que permitiria descongestionar o internamento hospitalar e consequentemente o Serviço de Urgência.
O hospital de Espinho perdeu a sua urgência básica (SUB) com a constituição do Centro Hospitalar e em Dezembro de 2014 encerraram as camas de cuidados continuados que constituíam um apoio pequeno mas significativo. Dito de outra forma, os doentes do concelho de Espinho passaram a ter que recorrer ao Serviço de Urgência do hospital de Gaia e foi agravada a capacidade de internamento do Centro Hospitalar. Tudo com o conhecimento e a autorização do Ministro da Saúde.
5. Os cuidados de saúde primários (de proximidade) são insuficientes para cumprirem a sua função de absorver doentes com doenças agudas não urgentes (faltam centros de saúde, faltam serviços de atendimento complementar/permanente, faltam médicos de MGF, faltam materiais e equipamentos).
Não podemos deixar de salientar a inexistência de médicos contratados através de empresas prestadoras de serviços (o que se nota no cumprimento das escalas do Serviço de Urgência) e a existência de equipas médicas organizadas. Um aspecto positivo que tem contribuído, apesar das miseráveis condições descritas anteriormente, para que a situação não seja ainda mais dramática.
Objectivamente a falta de camas de internamento (1,6/1000 habitantes) gera uma situação inaceitável que se traduz num Serviço de Urgência em estado de sítio, numa violação do direito dos doentes a serem atendidos e tratados com dignidade, em condições de trabalho penosas e numa dificuldade extrema em internar doentes candidatos a cirurgia programada. Um cenário que não honra os responsáveis políticos, nem os doentes, nem os profissionais de saúde.
De resto, esta situação foi confirmada pelo conselho de administração do CHVNG/E e, em especial, pela sua directora clínica recém-nomeada, em declarações prestadas à comunicação social. E provavelmente, terá sido também a principal razão que motivou a anterior directora clínica a apresentar a sua demissão.
O CHVNG/E constitui um pilar essencial do SNS, serve uma população numerosa e carenciada, acolhe algumas áreas de referência da medicina portuguesa, dispõe no seu quadro médico de profissionais altamente competentes e diferenciados, e tem demonstrado ter um espírito de equipa invulgar na defesa dos cuidados de saúde prestados aos doentes. O CHVNG/E tem que ser rapidamente dotado de todas as condições necessárias que salvaguardem a dignidade das pessoas e a qualidade da medicina. É fundamental que a sua urgência polivalente seja imediatamente corrigida.
O Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos, o SIM Norte e o SMN/FNAM, relevam publicamente a excepcional capacidade de trabalho dos médicos e dos outros profissionais de saúde, que em condições adversas e inseguras, e sob uma pressão intolerável, têm tido um comportamento notável no desempenho das suas funções. Graças a eles, e não aos responsáveis políticos, os serviços de urgência têm, apesar de tudo, conseguido evitar verdadeiras catástrofes no âmbito da saúde pública.
Mais uma vez reiteramos o nosso total apoio a todos os médicos que diariamente dão o seu melhor contributo para tratar os doentes e defender o serviço público de saúde.
Reafirmamos as mesmas posições que defendemos no comunicado divulgado após a recente visita ao Serviço de Urgência do hospital da Feira (CHEDV).
O Ministro da Saúde, enquanto responsável máximo pela definição geral de política de saúde e enquanto detentor de poderes tutelares e de superintendência sobre as administrações, não se pode eximir à responsabilidade moral e política pelos acontecimentos graves que todos desejaríamos que nunca ocorressem.
Porto, 02 de Fevereiro de 2015