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Nota de Imprensa 08/01/2015
O exemplo do Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga
As urgências hospitalares e o silêncio do Ministro da Saúde
A história clínica do caos nas urgências hospitalares, amplamente divulgada pela Comunicação Social, e o silêncio do Ministro da Saúde, têm como pano de fundo o incompreensível desinvestimento acompanhado de elevados cortes “cegos” realizado nos últimos anos na Saúde e a desorganização subjacente a quem se preocupa apenas com números e não com as pessoas, com base no mito enraizado da sustentabilidade do SNS. Tudo em detrimento da qualidade e humanização que deveriam constituir a prioridade na defesa e no desenvolvimento positivo do nosso SNS.
O Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos (CRN) denunciou publicamente, por diversas vezes, que a segurança dos doentes estava seriamente em risco em face da situação de ruptura iminente dos serviços de urgência em várias unidades de saúde. A agudização deste problema a que agora estamos a assistir, e com consequências potencialmente graves para muitos doentes, tem como base múltiplos factores que contam com o silêncio ensurdecedor do Ministro da Saúde e a cumplicidade de alguns conselhos de administração hospitalares:
1. Deficiente organização do trabalho médico por parte de alguns conselhos de administração (CA), com aumento do risco clínico e do erro em Saúde;
2. Escalas de serviço de urgência incompletas e sem o reforço obrigatório nos meses habitualmente mais problemáticos, aliadas em alguns casos a ausência de autênticas equipas médicas organizadas e entrosadas;
3. Associação explosiva entre a contenção de custos (a que muitos responsáveis nomeados se sentem obrigados para obter melhores resultados na gestão dos números), a redução drástica da composição das equipas de Saúde e a sobreposição de tarefas hospitalares impostas por responsáveis de algumas unidades de Saúde;
4. Em consequência, a falta de médicos e outros profissionais de Saúde nos serviços de urgência de algumas unidades de Saúde, contribuem para tempos de espera clinicamente inaceitáveis, particularmente nos doentes triados como urgentes ou potencialmente urgentes (pulseiras laranja e amarela), com desfechos por vezes dramáticos como recentemente foi do conhecimento público;
5. Persistência em continuar a contratar médicos tarefeiros através de empresas prestadoras de serviços em detrimento da abertura de concursos públicos para a contratação dos médicos necessários. As empresas prestadoras de serviços médicos não garantem muitas vezes os acordos realizados, a qualidade nem sempre é assegurada, a responsabilidade não tem face e o incumprimento não é punido;
6. Insistência na utilização do protocolo de triagem de prioridades de Manchester já obsoleto e substituído ou abandonado em muitos países. A triagem clínica dos doentes oferece uma maior segurança e um menor risco sobretudo na distinção entre doentes urgentes e não urgentes;
7. O desinvestimento no papel crucial dos Cuidados de Saúde Primários nos serviços de atendimento a situações clínicas agudas, que tem afastado muitos doentes dos cuidados de Saúde de proximidade e os tem "empurrado" para os serviços de urgência hospitalares;
8. A ausência de uma política de Saúde que contemple uma verdadeira reforma dos serviços de urgência/emergência complementada, com o papel essencial dos Cuidados de Saúde Primários no atendimento de algumas situações clínicas agudas. Até ao momento as propostas conhecidas sobre esta matéria não foram discutidas nem implementadas;
9. As condições de trabalho inadequadas ao exercício da profissão em muitos serviços de urgência e as remunerações indecorosas dos médicos que assumem a elevada responsabilidade e risco de trabalhar em circunstâncias muitas vezes inaceitáveis.
As críticas públicas de vários sectores da Sociedade Civil responsabilizam moral e politicamente o Ministro da Saúde pelas situações dramáticas conhecidas e corresponsabilizam os conselhos de administração envolvidos. O que adensa o clima de mistério em torno do silêncio do Ministro da Saúde. Com o significado óbvio que os cidadãos lhe queiram dar.
O exemplo do CA do Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga (CHEDV) pode servir como modelo para entender o que está a acontecer. Foi distinguido com frequência pelos seus méritos de gestão. Foi alertado diversas vezes pelo CRN e pela Sociedade Civil para a falta de médicos e outros profissionais de Saúde.
Foi informado oficial e reiteradamente por médicos do CHEDV com responsabilidades de direcção (como por exemplo a directora do Serviço de Urgência) sobre a situação de grave deficiência vivida há vários meses no serviço de urgência/emergência. E pouco ou nada fez até ao presente momento para tentar solucionar um problema que se arrasta há demasiado tempo com todas as implicações e potenciais riscos reais para a segurança dos doentes.
Prefere manter os seus méritos de gestão em vez de resolver aquela que deveria ser a sua principal preocupação no serviço de urgência/emergência: prestar cuidados de Saúde de qualidade em tempo útil. De nada serviu o mais recente e dramático apelo ao CA da directora do serviço de urgência/emergência do CHEDV.
O Conselho Regional do Norte, no limite das suas competências, e perante as denúncias existentes, já providenciou a abertura de inquérito de averiguações à conduta da directora clínica do CHEDV, e vai, como é sua obrigação, comunicar os factos de que tem conhecimento à Inspecção Geral de Actividades em Saúde (IGAS).
Não é habitual morrerem doentes nos serviços de urgência hospitalares enquanto esperam a sua vez para serem atendidos. Quantas desgraças serão necessárias para que os responsáveis políticos tomem medidas efectivas para a resolução de um problema que não é novo nem sequer é desconhecido dos principais decisores na área da Saúde? Até quando vai o Ministro da Saúde manter o seu silêncio e sua impiedosa política de Saúde? Quando será que o Ministro da Saúde se centra e se preocupa mais com as pessoas e menos com os números?
O Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos
Porto, 08 de Janeiro de 2015